As organizações da sociedade civil abaixo
assinadas vêm a público manifestar, durante a semana do meio
ambiente, sua extrema preocupação com os rumos da política
socioambiental brasileira e afirmar, com pesar, que esta não é
uma ocasião para se comemorar. É sim momento de repúdio
à tentativa de desmonte do arcabouço legal e administrativo
de proteção ao meio ambiente arduamente construído
pela sociedade nas últimas décadas.
Recentes medidas dos poderes Executivo e Legislativo, já aprovadas
ou em processo de aprovação, demonstram claramente que a
lógica do crescimento econômico a qualquer custo vem solapando
o compromisso político de se construir um modelo de desenvolvimento
socialmente justo, ambientalmente adequado e economicamente sustentável.
1. Já em novembro de 2008 o Governo Federal cedeu pela primeira
vez à pressão do lobby da insustentabilidade ao modificar
o decreto que exigia o cumprimento da legislação florestal
(Decreto 6514/08) menos de cinco meses após sua edição.
2. Pouco mais de um mês depois, revogou uma legislação
da década de 1990 que protegia as cavernas brasileiras para colocar
em seu lugar um decreto que põe em risco a maior parte de nosso
patrimônio espeleológico. A justificativa foi que a proteção
das cavernas, que são bens públicos, vinha impedindo o desenvolvimento
de atividades econômicas como mineração e hidrelétricas.
3. Com a chegada da crise econômica mundial, ao mesmo tempo em que
contingenciava grande parte do já decadente orçamento do
Ministério do Meio Ambiente (hoje menor do que 1% do orçamento
federal), o governo baixava impostos para a produção de
veículos automotores. Fazia isso sem qualquer exigência de
melhora nos padrões de consumo de combustível ou apoio equivalente
ao desenvolvimento do transporte público, indo na contramão
da história e contradizendo o anúncio feito meses antes
de que nosso País adotaria um plano nacional de redução
de emissões de gases de efeito estufa.
4. Em fevereiro deste ano uma das medidas mais graves veio à tona:
a MP 458 que, a título de regularizar as posses de pequenos agricultores
ocupantes de terras públicas federais na Amazônia, abriu
a possibilidade de se legalizar a situação de uma grande
quantidade de grileiros, incentivando, assim, o assalto ao patrimônio
público, a concentração fundiária e o avanço
do desmatamento ilegal. Ontem (03/06) a MP 458 foi aprovada pelo Senado
Federal.
5. Enquanto essa medida era discutida - e piorada - na Câmara dos
Deputados, uma outra MP (452) trouxe, de contrabando, uma regra que acaba
com o licenciamento ambiental para ampliação ou revitalização
de rodovias, destruindo um dos principais instrumentos da política
ambiental brasileira e feita sob medida para se possibilitar abrir a BR
319 no coração da floresta amazônica, por motivos
político-eleitorais. Essa MP caiu por decurso de prazo, mas a intenção
por trás dela é a mesma que guia a crescente politização
dos licenciamentos ambientais de grandes obras a cargo do Ibama, cuja
diretoria reiteradamente vem desconhecendo os pareceres técnicos
que recomendam a não concessão de licenças para determinados
empreendimentos.
6. Diante desse clima de desmonte da legislação ambiental,
a bancada ruralista do Congresso Nacional, com o apoio explícito
do Ministro da Agricultura, se animou a propor a revogação
tácita do Código Florestal, pressionando pela diminuição
da reserva legal na Amazônia e pela anistia a todas as ocupações
ilegais em áreas de preservação permanente. Essa
movimentação já gerou o seu primeiro produto: a aprovação
do chamado Código Ambiental de Santa Catarina, que diminui a proteção
às florestas que preservam os rios e encostas, justamente as que,
se estivessem conservadas, poderiam ter evitado parte significativa da
catástrofe ocorrida no Vale do Itajaí no final do ano passado.
7. A última medida aprovada nesse sentido foi o Decreto 6848, que,
ao estipular um teto para a compensação ambiental de grandes
empreendimentos, contraria decisão do Supremo Tribunal Federal,
que vincula o pagamento ao grau dos impactos ambientais, e rasga um dos
pontos principais da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, assinada pelo País em 1992, e que determina
que aquele que causa a degradação deve ser responsável,
integralmente, pelos custos sociais dela derivados (princípio do
poluidor-pagador). Agora, independentemente do prejuízo imposto
à sociedade, o empreendedor não terá que desembolsar
mais do que 0,5% do valor da obra, o que desincentiva a adoção
de tecnologias mais limpas, porém mais caras.
8. Não fosse pouco, há um ano não são criadas
unidades de conservação, e várias propostas de criação,
apesar de prontas e justificadas na sua importância ecológica
e social, se encontram paralisadas na Casa Civil por supostamente interferirem
em futuras obras de infra-estrutura, como é o caso das RESEX Renascer
(PA), Montanha-Mangabal (PA), do Baixo Rio Branco-Jauaperi (RR/AM), do
Refúgio de Vida Silvestre do Rio Tibagi (PR) e do Refúgio
de Vida Silvestre do Rio Pelotas (SC/RS).
Diante de tudo isso, e de outras propostas em gestação,
não podemos ficar calados, e muito menos comemorar. Esse conjunto
de medidas, se não for revertido, jogará por terra os tênues
esforços dos últimos anos para tirar o País do caminho
da insustentabilidade e da dilapidação dos recursos naturais
em prol de um crescimento econômico ilusório e imediatista,
que não considera a necessidade de se manter as bases para que
ele possa efetivamente gerar bem-estar e se perpetuar no tempo.
Queremos andar para frente, e não para trás. Há um
conjunto de iniciativas importantes, que poderiam efetivamente introduzir
a variável ambiental em nosso modelo de desenvolvimento, mas que
não recebem a devida prioridade política, seja por parte
do Executivo ou do Legislativo federal. Há anos aguarda votação
pela Câmara dos Deputados o projeto do Fundo de Participação
dos Estados e do Distrito Federal (FPE) Verde, que premia financeiramente
os estados que possuam unidades de conservação ou terras
indígenas.
Nessa mesma fila estão dezenas de outros projetos, como o que
institui a possibilidade de incentivo fiscal a projetos ambientais, o
que cria o marco legal para as fontes de energia alternativa, o que cria
um sistema de pagamento por serviços ambientais, dentre tantos
que poderiam fazer a diferença, mas que ficam obscurecidos entre
uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e outra. E enquanto
o BNDES ainda tem em sua carteira preferencial os tradicionais projetos
de grande impacto ambiental, os pequenos projetos sustentáveis
não têm a mesma facilidade e os bancos públicos não
conseguem implementar sequer uma linha de crédito facilitada para
recuperação ambiental em imóveis rurais.
Nesse dia 5 de junho, dia do meio ambiente, convocamos todos os cidadãos
brasileiros a refletirem sobre as opções que estão
sendo tomadas por nossas autoridades nesse momento, e para se manifestarem
veementemente contra o retrocesso na política ambiental e a favor
de um desenvolvimento justo e responsável.
Brasil, 04 de junho de 2009. "
Assinam o manifesto as entidades abaixo:
Amigos da Terra / Amazônia Brasileira
Associação Movimento Ecológico Carijós - AMECA
Associação de Preservação do Meio Ambiente
e da Vida - APREMAVI
Conservação Internacional Brasil
Fundação de Órgãos para a Assistência
Social e Educacional - FASE
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente
e o Desenvolvimento - FBOMS
Fórum das ONGs Ambientalistas do Distrito Federal e Entorno
Greenpeace
Grupo Ambiental da Bahia - GAMBA
Grupo Pau Campeche
Grupo de Trabalho Amazônico - GTA
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia - IMAZON
Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM
Instituto Socioambiental - ISA
Instituto Terra Azul
Mater Natura
Movimento de Olho na Justiça - MOJUS
Rede de ONGs da Mata Atlântica
Sociedade Brasileira de Espeleologia
Via Campesina Brasil
WWF Brasil
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