Mata AtlânticaSão Francisco de Paula

Não foi por falta de aviso…

A comissão parlamentar criada para acompanhamento do Plano de Diretor, além de duração efêmera, não foi levada em consideração na votação unânime.
E, pior! Sequer foi avisada da data em que seria votada.
Apesar dos avisos e informações técnicas, a Câmara de Vereadores de São Francisco de Paula (RS), votou à favor da substituição do Plano Diretor (11/11/2019).

PARECER MIRA-SERRA CONTRA ALTERAÇÃO DO PLANO DIRETOR DE SÃO FRANCISCO DE PAULA

Of. MIRA-SERRA Nº 18, enviado em 7/11/2019.

Aos Ilmos.
Sr. Cláudio Alves Ponte
Presidente da Câmara de Vereadores
Sr. Renato Medeiros Marques
Presidente da Comissão Parlamentar Especial de Avaliação e Tramitação do Plano Diretor
São Francisco de Paula

Prezados Vereadores,
Na oportunidade em que os cumprimentamos, o Instituto MIRA-SERRA, entidade ambientalista sem fins lucrativos, com atuação centrada no bioma Mata Atlântica, apresenta suas considerações iniciais relativas ao PL 55/2019.
Inicialmente, nos manifestamos pela ausência de argumentação técnica e legal para cada artigo deste projeto de lei, bem como para a consequente revogação do Plano Diretor vigente. Não nos parece correto alterar qualquer dispositivo legal, sem que a proposta tenha sido explanada e discutida com a equipe que a elaborou.
Além disto, surpreende que a lei vigente seja desconsiderada, já que não há fato novo que exija uma ruptura abrupta. Vemos com muita apreensão que se parta para um documento novo sem um comparativo com o atual. A correção de falhas e, os ajustes que a dinâmica municipal exige, são pilares de uma evolução harmônica e coerente com a história da sociedade.
Na esteira deste raciocínio, é preciso destacar o curto prazo para envio de contribuições. Entidades como a nossa, que possuem especialistas em várias áreas, deliberar por um texto coeso e aprofundado. em apenas uma semana, é tarefa impraticável.
Inclusive, nos parece, estar ao arrepio do previsto pelo Estatuto das Cidades, que enfatiza a ampla participação social. Não foi percebida, nem mesmo, uma consulta ao meio acadêmico – visto que o município possui universidades com produção científica no tema.
De igual sorte, a política municipal ambiental foi excluída das premissas do projeto. Diga-se que a qualificação de São Francisco de Paula ao licenciamento de atividades e empreendimentos de potencial impacto ambiental, se deu na época do SIGA-RS, basicamente pelas diretrizes do Plano Municipal Ambiental.
Assim, não há como desvincular o desenvolvimento, deste município, de sua (ainda) exuberante biodiversidade que mantem a profusão de seus recursos hídricos. Neste quesito, o PL nº 55/2019 se constitui em verdadeiro atentado contra a qualidade de vida de seus residentes e turistas, bem como uma ameaça aos que habitantes das cinco bacias hidrográficas para as quais contribui. Os respectivos Comitês Gestores destas bacias hidrográficas, novamente, não foram ouvidos. Ou seja, há risco de repetir-se a inviabilidade de ocupação de solo protegido, com notório prejuízo aos que ignoraram os fundamentos da legislação para recursos hídricos e para o meio ambiente.
Nesta seara, se repisa a importância do bioma Mata Atlântica e seus ecossistemas associados. São Francisco de Paula possui Campos de Altitude, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Ombrófila Densa e Floresta Ombrófila Mista. No entanto, não se estruturou para ter um Plano de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica – condição da cláusula quarta do Termo de Convênio Estado- Município, que lhe permite a gestão/ licenciamento ambiental neste bioma. E, com isto, também, deixa de captar recursos para implementação de programas e projetos em um dos biomas mais ameaçados de extinção do planeta. Perde a possibilidade de gerar renda e emprego, através de mecanismos como o Pagamento de Serviços Ambientais. Ignora a sua potência nata, para que se torne um modelo como o é Maringá, no Paraná.
Alertamos para a insegurança técnica e jurídica, tanto para o gestor quanto para o empreendedor, advinda de um planejamento carente de estudos e desamparado na convergência das normas. O entrave virá, sim, mas pelas recorrentes judicializações. Exemplos locais não faltam.
O projeto de lei em tela, se refere a um zoneamento de nascentes inexistente, descarta estudos e dados científicos de vital importância, não contempla corredores de biodiversidade entre as unidades de conservação existentes bem como não encoraja o mapeamento de áreas para criação de novas. Omite do planejamento (e, portanto, da gestão) as zonas da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica assim como as áreas prioritárias para conservação, utilização sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade (Portaria MMA 19/2007).
Pior. Isola a zona urbana e ainda, beneficia localidades em detrimento de outras. Ignora que o Plano Diretor abrange o município e não, somente, a cidade. Assim o PL 55/2019, exclui a zona rural. Aqui, cabe questionar se o município que vira as costas para a comunidade rural, pode gerir os recursos naturais ali existentes. Destacamos, o perigo iminente da conversão de florestas nos estágios sucessionais, médio e avançado, de regeneração, para áreas de ocupação antrópica impactando nascentes e afugentando a fauna nativa (principal agente de manutenção da vegetação, e por conseguinte, dos recursos hídricos). Tememos o avanço da destruição de patrimônios natural, arqueológico, histórico e imemorial, como o existente no vale do rio Padilha (atenção: Rio, não um arroio ou riacho).
Não guarda relação com o problema, que aumenta exponencialmente, do saneamento básico. Como o executivo e o legislativo pretendem um progresso alicerçado sobre lançamento, por vezes in natura, de dejetos em suas águas que atraem o turismo e incrementam o comércio? Apesar de muito deficiente na qualidade técnica, o PMSB mostra uma realidade indesejável (e contrária à Carta Magna) a qualquer município.
No cenário, aqui exposto, concluímos que sem uma análise criteriosa à luz do arcabouço legal e técnico, o PL 55/2019 é um desserviço à presente e às futuras gerações. Foi dito na reunião desta Comissão Parlamentar Especial, que o prefeito poderia ser responsabilizado pela não atualização do Plano Diretor. No entanto, se esqueceram que a inobservância à tantos outros dispositivos tem a mesma implicação, e com maior gravidade.
Clamamos aos senhores vereadores, que atentem para os princípios constitucionais da PRECAUÇÃO e da PREVENÇÃO. Concedam espaço e tempo para a que consolide um planejamento sério, com participação social e comprometido com o território municipal.
Certos de sua coerência com o passado, presente e futuro deste município abastado em riquezas naturais, sociais e históricas (e únicas) que encantam visitantes do mundo inteiro, reiteramos nossos votos de estima e apreço.